quarta-feira, 14 de abril de 2021

A SABEDORIA QUE VALE A PENA



A epístola de Tiago parece que foi escrita pouco tempo depois da perseguição contra os cristãos em Jerusalém, que, em razão do episódio, foram espalhados pelo mundo de então. O seu autor teria sido o apostolo Tiago, um dos filhos de Zebedeu, que, ao lado de Pedro e João, fazia parte do círculo mais próximo de Jesus. Ele teve como propósito primário fortalecer a fé dos cristãos judeus, como se depreende de seu primeiro verso. A epistola não foi escrita para corrigir supostos erros de Paulo, como pretendem alguns, o que estaria em flagrante contradição com o conceito do "Tota Scriptura", que defende a Palavra de Deus como inspirada, infalível, inerrante, eficaz, completa e suficiente de tal maneira que as partes do "Sola" se complementam no "Tota" com coerência e continuidade. A título de exemplo, Lucas não se sobrepõe a Paulo. Este, por sua vez, não se sobrepõe a Lucas.

Naquela época os cristãos - judeus ou gentios - só dispunham do Antigo Testamento. Mas até que o cânon fosse fechado, logo surgiram as primeiras circulares, isto é, as epístolas que serviram para tratar de diversas situações na igreja incipiente, entre elas a de Tiago. O seu propósito foi levar encorajamento, fortalecimento, recomendações e valorizar o efeito da fé em Cristo não só diante das perseguições, mas em todas as áreas da vida, num alinhamento perfeito com o que Paulo ensinou em suas epístolas. É sob essa perspectiva que a sua carta é introduzida, pontuando logo de início diferentes circunstâncias que seriam "normais" na vida do cristão, principalmente diante das adversidades que enfrentariam.

Chama-me a atenção que uma de suas primeiras advertências aparece no verso 5, onde recomenda aos cristãos judeus dispersos a buscar a sabedoria do alto. Parece-me até que se trata de um versículo-chave para se entender o que Tiago propõe como marcas evidentes da vida cristã. Dito de outra forma, a única maneira de o cristão em geral enfrentar as circunstâncias da vida e não ser sobrepujado por elas em sua fé é abrigar-se sob a sabedoria dada por Deus e não jactar-se em sua própria sabedoria, situação que tem sido muito comum nos dias de hoje. Achamos que somos sábios em nós mesmos e desprezamos a sabedoria de Deus a ponto de olharmos os demais de cima para baixo, fruto da triste sabedoria segundo o mundo.

Nos quatro versos anteriores do capítulo primeiro, Tiago fala das provações, perseverança e termina dizendo que "a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes". Sem muito alongamento, é um padrão elevado de vida que poderia ser resumido em constância, firmeza, completude, integridade e eficiência. Em outras palavras, uma forte muralha com profundos alicerces contra as pressões da vida sobre a nossa fé. Já nos versos seguintes ao cinco a ênfase do apóstolo recai sobre o perigo da dúvida, o perigo da inconstância, o perigo das riquezas, o perigo das cobiças, o perigo da ira, para então enfatizar que "toda boa dádiva e todo o dom perfeito são lá do alto". Tiago também aduz: "Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos".

Fico de fato com a impressão que o verso cinco é o divisor de águas, a chave para que possamos metabolizar e pôr em prática os princípios descritos nos versos posteriores e em toda a epístola diante de qualquer circunstância que venhamos a experimentar, como as também descritas nos versos anteriores. Nas provações, diante dos embates contra a nossa fé, na tentativa de imposição de outros deuses em equivalência ou até mesmo suplantação ao próprio Deus, na negligência de uma fé teórica e arrogante, no arroubo de uma teologia intelectual que consegue partir cabelo a machado, mas não tem vida em si mesma, falta-lhe piedade, pois é como se estivesse a dissecar cadáveres, repito, em todas essas circunstâncias só há um único e singular caminho: a sabedoria que vem do alto.

No verso cinco, Tiago é enfático aos que necessitam dessa sabedoria. A sua afirmação presume que há cristãos incluídos nessa categoria. São pessoas que falam o que vem à cabeça. Não se preocupam em ouvir primeiro, ponderar, avaliar e depois falar (ou não). Falam antes e só pensam depois. Incluem-se no mesmo grupo aqueles que torcem a Escritura para que os textos digam o que querem ou adicionam os próprios pensamentos como se Palavra de Deus fossem. Cabem também os que fazem da Escritura apenas um par de muletas, numa tentativa de se sustentar, pois dela já estão distantes há muito tempo com sua teologia liberalizante, "descanonizada" e experencial.

Mas o apóstolo não é egoísta. Ele aponta o caminho para a sabedoria que vem do alto: "Peça-a Deus". Tão simples, mas, ao mesmo tempo, de uma exigência exponencial. Significa abrir mão de nosso orgulho, abrir mão de nossas presunções acadêmicas, abrir mão de nossa prepotência intelectual, reconhecer que o nosso saber não passa de esterco, pouco importando a quantidade de diplomas pendurados na parede do nosso escritório ou gabinete. É certo que, além da Escritura, o caminho pode passar pelo legado de homens piedosos que deixaram e ainda nos deixam milhares de obras inspiradoras. Mas lê-las todas é impossível. Ainda assim - e por isso mesmo - devemos pedir a Deus que nos oriente não apenas sobre o que devemos ler, mas também a quem devemos ler. Fiz questão de grifar a última frase, porque, segundo entendo, o peso espiritual, o peso da piedade, o peso do comprometimento do autor com Deus devem ser levados em conta sobre o que devemos ler.

Outro dado de elevada importância na recomendação de Tiago é que Deus "a todos dá liberalmente e não lhes impropera". A primeira percepção implica numa dádiva irrestrita, isto é, todos os cristãos podem e devem pedi-la e todos os cristãos podem e devem experimentá-la sem que Deus fique a toda hora "jogando em nossa cara", como alguns de nós fazemos. A segunda percepção é que tal sabedoria é dada com liberalidade, ou seja, de maneira generosa, sem quaisquer resquícios de egoísmo ou mesquinhez. É algo que Deus faz com prazer. Ele quer que todos os cristãos desfrutem de sua sabedoria. A terceira percepção é que a todos quantos pedem a sabedoria lhes é concedida. Não é um privilégio de "iniciados" em que se tem de passar por um rito de iniciação. Não é um sistema gnóstico ao qual poucos têm acesso. Não é uma confraria (para evitar outro termo), onde só os participantes são os únicos depositários da sabedoria de Deus. Não! Repito: Deus "dá a todos liberalmente".

Uma das coisas que mais aprecio é me assentar ao lado de irmãos com pouca formação acadêmica (não que o estudo seja irrelevante) e em silêncio ouvi-los e usufruir horas e horas da sabedoria que Deus lhes deu. É um gracioso privilégio! Como aprendo! Muitos deles não tiveram a oportunidade de frequentar um curso teológico (abençoados os que têm a oportunidade), mas todos os dias se ajoelham diante de Deus e, com a Escritura aberta, bebem de sua sabedoria! Se ainda não o fez, experimente esse exercício. Deixe um pouco a cadeira de seu escritório ou gabinete, saia um pouco da frente da tela de seu computador e vá atrás de um desses irmãos! Você verá que valerá a pena!

Amanhã em nossa primeira hora do dia que a nossa oração pungente, sincera, persistente, se preciso banhada em lágrimas tamanha a nossa pequenez, seja essa: "Senhor, enche-me de tua sabedoria. Não a sabedoria segundo o mundo, mas a sabedoria segundo Deus". Pergunte também: "Além da Escritura, que livros devo ler hoje e nos próximos dias?". Você sentirá a diferença.

Um comentário:

Pastor Geremias Couto disse...

Alguém cujo rastro é impossível identificar, portanto não terá o comentário publicado, fez uma ressalva para dizer que a maioria dos escritores conservadores concordam que a autoria da epístola teria sido o irmão de Jesus. A questão não tem relevância para o propósito da postagem. Ainda assim, os que defendem essa linha baseiam-se em argumentos frágeis e controversos, sempre deixando a questão no terreno hipotético, sem afirmação conclusiva, até porque isso é impossível. Prefiro seguir outros eruditos e também no terreno da hipótese atribuir a epístola muito provavelmente ao apóstolo Tiago, filho de Zebedeu.