quarta-feira, 1 de abril de 2015

Porque sou a favor da redução da maioridade penal


Antes de introduzir os argumentos, sou favorável que a prática de crimes seja punida independente da idade, com a devida gradação que leve em conta as circunstâncias na consecução do ato. Como a proposta aprovada pela CCJ da Câmara dos Deputados, sem caráter terminativo (tem de percorrer, ainda, um longo processo para que, em sendo aprovada, receba a sanção - ou não - do Executivo), prevê apenas a redução da maioridade penal para 16 anos, conta com o meu apoio irrestrito por tratar-se de meio-termo, a meu ver, entre o ideal e o possível.

Sei que a matéria é complexa e gera muitas paixões entre os que a discutem. Mas podemos, com equilíbrio, debatê-la sem desqualificar quem se opõe à tese que defendo, deixando o debate apenas no campo da argumentação. Como cristãos, não temos outra saída, senão começar pela Bíblia. Ela tem de ser o nosso ponto de partida para uma análise menos passional. Temos de considerar, também, os pressupostos com os quais a lemos. Os meus partem do conceito que ela é a inspirada Palavra de Deus, inerrante, que contém todos os princípios a serem aplicados à vida.

A primeira questão da qual não podemos fugir é a natureza decaída do homem, que atinge a todos, sem exceção. Nisso concordam calvinistas e arminianos: a depravação total. A nossa inclinação é má e muito influenciável pelas pressões do meio. Costumo dizer que, se as nossas conversas de alguns dias à noite com os nosso travesseiros ganhassem a realidade, o mundo já teria sido destruído pelo desejo de vingança que muitas vezes nutrimos em nossos corações. Crianças, adolescentes e jovens, quando chegam à idade da consciência, passam a viver o mesmo processo. Nesse sentido, não se distinguem dos adultos, embora os seus conceitos de vida possam, ainda, não estar bem cristalizados. Ou seja, é a natureza decaída que resulta nos atos mais perversos do ser humano.

Outro ponto a considerar é que Deus instituiu a autoridade, entre outras razões, como uma espécie de "freio" para a maldade do homem. Romanos 13 não discute o mal uso que se faz dela, mas a sua finalidade. O propósito, como bem diz o texto, não é aterrorizar quem pratica as "boas obras", mas punir os que fazem o mal. As leis, portanto, não têm em si mesmas o poder "gracioso" de restaurar as pessoas, mas de puni-las, caso violem o que elas preceituam. Quem incorre em sua violação, só estará "livre", do ponto de vista legal, após cumprir a sentença imposta. Esperar que transformem o mundo num "paraíso" isento de maldade, é não compreender a natureza das leis e nem a natureza decaída do homem. Elas, em tese, existem para "frear" o mal, repito, mas não têm o poder de extingui-lo.

Com isto em mente, temos de compreender que leis são criadas como resultado das transformações sociais, impondo à autoridade ajustar o sistema legal às necessidades do tempo. A meu ver, se não for possível normatizar a penalização independente da idade, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, passa a ser a solução mais adequada ao atual momento do país, onde menores de 18 anos cometem os crimes mais hediondos, são apreendidos em sistemas chamados socioeducativos, mas zeram a ficha quando alcançam a maioridade. É desse estratagema que se valem os criminosos de maioridade: não só levam os menores a praticar crimes, mas transferem a eles os seus atos criminosos como forma de se esquivarem da responsabilidade penal, já que, completados 18 anos, as anotações contra esses jovens criminosos serão apagadas. A redução da maioridade penal ajudaria a corrigir essa anomalia jurídica.

Outros há que apelam para o nosso deteriorado sistema carcerário como argumento contra a aprovação da PEC da maioridade penal. Mas a ser assim, temos de trazer de volta para casa todos os doentes internados em nosso péssimo sistema de saúde, onde muitos morrem por falta de atendimento qualificado e urgente, além de abrir as grades para soltar todos os presos pela omissão do Governo em realizar uma gestão de excelência em suas responsabilidades constitucionais. Vale, aqui, como princípio, o que Jesus disse noutro contexto aos doutores da lei do judaísmo nesta paráfrase: "Vocês são eficientes em exigir o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas se esquecem do juízo, da misericórdia e da fé. Façam estas coisas, mas não se esqueçam daquelas". Em outras palavras, uma coisa não anula a outra. Que os sistemas sejam aperfeiçoados, aprimorados, mas também se adequem as leis às necessidade do nosso tempo.

Por fim, sem esgotar o tema, por óbvio, afirmar que a aprovação de tal lei significa decretar a falência da igreja em seu papel restaurador soa falacioso. A prevalecer o raciocínio, teria falhado, também, em relação aos adultos, pois há muitos encarcerados que se chamam Daniel, Eliseu, Isaías, Ezequiel, Lucas, Tiago e outros nomes bíblicos, os quais foram dados por seus pais a esses prisioneiros sob a influência da fé cristã. O que precisamos é aprender a separar o papel do Estado do papel da igreja. Apenas como exemplo, a conversão de alguém na cadeia, embora acerte a sua vida com Deus, não serve de atenuante e não o livra de cumprir a sentença, segundo o que está normatizado em nosso sistema jurídico. Cite-se de passagem que para uma população de cerca de 202 milhões de pessoas, conforme dados de 2014, a nossa população carcerária é de cerca de 800 mil pessoas, que representa menos de 0,5%

Sem deixar, portanto, de reconhecer que a igreja pode fazer muito mais no sentido de "fermentar" a massa e contribuir para a transformação das pessoas pelo poder do Evangelho, cabe à autoridade, em seu papel concedido por Deus, cumprir a sua missão de promover o bem e "frear" o mal com leis que punam em graus diferentes aqueles que são passíveis de sofrer o efeito da mão restritiva do Estado.

2 comentários:

Ev. Weliano Pires disse...

Amado Pastor Geremias do Couto,
Como assembleiano a muitos anos, aluno da Escola Dominical desde a infância, hoje, por graça de Deus, professor, acompanhei a sua trajetória da CPAD e na CGADB. Sou admirador dos seus escritos, sejam artigos ou livros. Um dos que li e amei, foi 'A Transparência da Vida Cristã'.
Se pelo menos a metade dos ministros assembleianos tivessem a coerência, independência e visão de Reino de Deus que o senhor demonstra, a nossa CGADB não nos traria tantos episódios vergonhosos como o nepotismo eclesiástico, as ditaduras, perpetuação no poder, insultos, quebras de regimentos e coisas semelhantes a estas, que destoam do comportamento cristão.
Pb Weliano Pires
Ministério do Belém
Osasco - SP.

Anônimo disse...

Concordo. Romanos 13 contem um dos objetivos da aplicação da penalidade: punir o transgressor. Quantos ao outros objetivos, a saber: reeducar o apenado, intimidar a pratica do ato criminoso na sociedade, realmente na diz sobre isso. Provavelmente porque o carcere não seja local de reeducar ninguém (mesmo os existentes nos melhores sistemas penitenciários do mundo) e sim local de punição. A educação, capaz em si mesma de advertir, intimidar, recuperar o transgressor (de modo a que não se torne um reicindente) só pode ocorrer no âmbito da familia, da escola e da igreja - se e somente se, os valores cristãos forem ensinados, cultuados e praticados. O encarceramento (sem privilegios) e a pena capital são respostas justas e aplicáveis em qualquer idade. Se antes da aplicação da pena ou durante seu cumprimento, o criminoso se arrepender - bom pra ele e pra sociedade. Mas a única preocupação da justiça deve ser a de fazer com que o criminoso sinta na pele o mal que causou a outrem. E o legislador tem a obrigação - alias, e essa a razão de se de ser de sua existência - de criar leis que realmente punam. Se isso ocorrer viveremos com mais segurança. E inadmissível que uma pessoa (menor de idade) escolha resolver seus problemas pela via do crime porque sabe que não sera punida. Paulo Ceroll