terça-feira, 29 de março de 2011

Como vai, Governador?


Alguns anos atrás, um desses parasitas que perambulam de gabinete em gabinete, em Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, pegou o celular e fez uma chamada. Suas primeiras palavras foram: "Como vai, Governador?" Daí em diante tentou entabular um "amistoso diálogo" sem pé nem cabeça com o suposto interlocutor, que logo demonstrou tratar-se de simulação para demonstrar amizade com quem governava na época. Era pura empulhação.  O fato ocorreu e há testemunhas.

O episódio me veio à mente enquanto pensava sobre a necessidade que muitos de nós têm de se manter em evidência, de se acharem os donos do pedaço, de se mostrarem a surfar na crista da onda ou a estarem por cima da carne seca. É tão pegajosa essa tendência, que, ao menor descuido, podemos estar a cometer gestos semelhantes ou até piores simplesmente para sermos vistos. É como se não nos contentássemos com aquilo que somos (em certo sentido isso pode ser uma virtude, quando visamos crescer em busca da maturidade para melhor servir) e usássemos os recursos mais vis para estarmos no centro do palco e sermos bajulados pelos áulicos de plantão.

Quando lutamos para estar em evidência como um fim em si mesmo isso revela grave anomalia de caráter e mostra que fomos afetados pelo vírus do humanismo. Às vezes pensamos que o estilo humanista de vida é próprio dos meios alheios à vida eclesiástica, mas nunca se viu tanto o humanismo impregnar o meio cristão como nos dias de hoje. Não me refiro simplesmente à teologia da prosperidade, mas à própria postura de muitos de nós que chegam a achar-se mais importante do que Deus. São tão presunçosos que fazem questão de deixar claro a sua indispensabilidade. Se não forem eles, nada acontece. Parece que Deus tirou férias ou abandonou o barco.

Lembro do mensageiro que insistiu em levar a mensagem da guerra a Davi. Não era ele o protagonista para aquele momento. Outro deveria cumprir a missão. Mas insistiu tanto que o resultado todos conhecem. Embora a Bíblia não registre, tenho liberdade para pensar que ele queria estar em evidência, o seu desejo era aparecer bem na fita, embora a mensagem a ser entregue ao rei não era, digamos assim, algo que pudesse levar o mensageiro a ser aplaudido em plena praça pública. Mas a obsessão é tamanha que as pessoas contagiadas por esse vírus não são capazes de medir as consequências. "Importa que eu seja o primeiro, nem que pise na cabeça de todos os demais", pensam. "Importa que o meu nome saia no jornal, nem que seja nas páginas policiais", chegam a conjecturar. "Importa que eu seja o dono da bola, mesmo que não saiba sequer os fundamentos do futebol", arrazoam. Evidência, evidência, evidência.

No mundo do evangelho (não dos evangélicos) é diferente, graças a Deus! Aqui é outra a centralidade. Aqui é outra a motivação. Aqui é outra a evidência. João Batista sintetiza de forma graciosa esse conceito, quando responde com a maior segurança aos seus discípulos: "É necessário que ele cresça e que eu diminua", João 3.30. Antes que algum hermeneuta mais apressado diga que aqui o texto trate da transição do Antigo para o Novo Concerto, ou seja, que João Batista esteja simplesmente a definir que com ele, o último dos profetas, se conclui uma etapa da história bíblica, para dar lugar ao fiador da Nova Aliança - o Messias - é óbvio que também está implícito na passagem um gesto de humildade, um sentimento do devido lugar de cada um, isto é, ele, o Senhor da história, tem toda a precedência. Ele é o centro. Ele é a evidência.

No mundo do evangelho não sou eu quem guia Jesus e estabelece o seu programa. Não sou eu quem o conduz pelos caminhos do mundo e determina quais são os seus próximos passos. Não sou eu quem impõe e ele simplesmente balança a cabeça a submeter-se aos meus caprichos. No mundo do evangelho eu sou cooperador, no estrito sentido do termo. Estou ao lado. Escuto. Respondo. Não para manifestar altivez, mas pequenez, como Jeremias no Antigo Testamento e o publicano da parábola. Cumpro ordens. Obedeço. Sou ferramenta. Quem opera e efetua é o Senhor Jesus. Se alguma glória eu possa refletir, é a glória dele, porque, como escreveu Paulo, "sou o principal dos pecadores", não há nenhuma glória em mim mesmo, fui plenamente afetado pela depravação total da raça humana. Ele é o centro. Ele é a evidência.

Não sejamos como o parasita da introdução. Não precisamos simular espiritualidade. Não precisamos criar um simuladro de oração com voz gutural bem acentuada para aparentar que estamos bem com o Senhor. Não precisamos gritar e saracotear para impressionar os circunstantes. Não precisamos ostentar pretensa intelectualidade, onde o que queremos são os louros, o aplauso do tipo: "esse aí sabe", quando, no fundo, passamos longe, por exemplo, do conhecimento das línguas originais, mas rabiscamos uma palavra aqui, outra ali só para dar a impressão que somos os doutos na matéria. Já fiz isso. Hoje não faço mais. Se algum dia precisar citar o hebraico e o grego, vou cercar-me de quem os domina, buscar o que eles pensam e como definem, para, então, com bastante clareza, simplicidade e honestidade transpor para o meu texto o que descobri e não citar que isso significa aquilo, meramente como ostentação, quando, sequer, consigo ler uma frase inteira nos idiomas bíblicos.

Não simule. Não busque a evidência como um fim em si mesmo. Viva para o Senhor e o mundo saberá que você está bem com o Rei do Universo.

17 comentários:

Francikley Vito disse...

Pr. Geremias, a Paz de Cristo.
Esse é o tipo de texto que, depois de lido, deveríamos nos voltar para nós mesmos e perguntar em bom som: Posso ouvir um amém?!E a resposta mostraria quem verdadeiramente somos, ou o que verdadeiramente queremos. Gosto do que disse Agostinho: "Se a vida de um homem for relâmpago suas palavras serão trovão". Um abraço.
www.vosbi.blogspot.com

Carlos Roberto, Pr. disse...

Caro amigo e pastor Geremias do Couto,


Como vai profeta? E aqui não é simulação, não, é realidade.

Fui edificado, exortado, enfim, abençoado.

Preciso ler mais vezes para nada esquecer.

Louvado seja o nome do Senhor para todo sempre!

Estou sem palavras, o que dizer se tudo já foi dito?

Que o Eterno continue te usando.

Paz!

Robson Aguiar disse...

Meu nobre Pastor Geremias,
Obrigado por nos conceder essa aula edificante. Confesso que preciso me policiar mais par evitar cair em tal laço de vaidade. Concordo que sabemos pouco das linguas originais da bíblia e citamos muito. Essa palavra me despertou para ser mais comedido em minhas citações.

Todavia, as vezes se faz necessário citarmos o significado original das palavras, não para causar impressão, mas, para endossar o que estamos pregando ou escrevendo. Acredito realmente que devemos respaldar nossas citações, citando, reconhecidos doutores nas línguas originais com suas respectivas obras. Eis uma justa maneira de demonstrarmos que não dominamos as supracitadas línguas.

Pastor Geremias Couto disse...

Caro pastor Robson:

Concordo "in totum" com o irmão. Deixo isso claro na parte final do último parágrafo. Há casos em que precisamos buscar o sentido mais profundo nas línguas bíblicas, porque a tradução, por melhor que seja, nem sempre consegue expressar em toda a inteireza o significado.

Neste caso, para nós que não temos domínio dos originais, busquemos respaldar-nos naqueles que têm e os citemos em nossos textos. Nada errado nisso. Ao contrário, corretíssimo.

Mas citar um vocábulo grego ou hebraico com aquela pompa de que conhecemos e dominamos esses idiomas, quando, sequer, conseguimos ler meia frase, isso é ostentação, ao lado de tantas outras coisas que muitos fazem (e às vezes eu mesmo) só para estar em evidência.

Abraços!

Pastor Geremias Couto disse...

Caro pastor Carlos Roberto:

A melhor coisa para quem escreve o que Deus põe no coração é que o próprio escrito é repreendido pelo Senhor. Tomo o texto em sua integralidade para mim. Mas louvo a Deus por ele ter também falado ao seu coração. Agradeço, por outro lado, repercuti-lo em seu blog.

Abraços!

Pastor Geremias Couto disse...

Caro Francikley:

É dessa forma que vejo o texto que escrevi. Por incrível que pareça já o li dezenas de vezes e deixo que a Palavra nele expressa esquadrinhe o meu coração para que eu me renda a cada dia ao Senhor de toda a Terra.

Abraços!

Marcello de Oliveira disse...

Shalom!

Este texto reflete aquilo que já estava escrito dentro de você. O texto é um reflexo do nosso caráter e sinceridade. Embora muitos tenham uma excelente articulação e ótimo texto, podemos discernir nas linhas, o que o texto quer de fato expressar.

Duas pérolas:

"Se insistirmos em nossa glória, Deus retirará a sua" J. Blanchard

"O orgulho é o desejo perverso das alturas" - Agostinho

Um abraço, Pr Marcello

P.s>> Foi uma honra tê-lo comentando um texto no meu site. Volte sempre!

Sola Scriptura disse...

O SENHOR VOLTANDO A FALAR NA IGREJA, O EU DESAPARECE: "Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação." 1 Coríntios 14.26

http://obraespiritosanto.blogspot.com

Unknown disse...

Olá querido pastor, graça e paz!
Gostaria de convidá-lo a conhecer o meu BLOG, deixe seu comentáio e se desejar siga-nos.
http://www.vozdessageracao.blogspot.com/

daladier.blogspot.com disse...

Prezado Pr. Geremias, o senhor é um dos vinte e poucos leitores do meu blog e sabe como tenho posto o assunto. São muitas as citações do termos originais blogosfera afora, mas pouca profundidade e conhecimento de causa. Costumo dizer aos mais chegados que tais imposturas me cansam mais que o pecado propriamente dito. Porque o mesmo já está tão evidente que não precisa subterfúgios, já a impostura tenta se colocar no lugar da verdade.

Deus trará á luz toda a verdade. Nele me regozijo e aguardo! Convido-o a fazer o mesmo.

Mizael Andrade Reis disse...

Pr Geremias,

Deus o abençoe pela sobriedade e ardor pelo evangelho, sentimento quase inexistente na denominaçao da qual fazemos parte.

Graça e Paz
Mizael Reis

Moisés Pena disse...

Paz Pr. Geremias,

Feliz pelo seu texto. Precisamos de muita humildade mesmo.....

Grande abraço de BH!

Paz,

Moisés Pena
www.moisespenablogspot.com

Clóvis Gonçalves disse...

Pr. Geremias,

E como precisamos estar vigilantes quanto necessidade de estarmos em evidência. Num caso recente, em que alguém disse um monte de bobagens que não convém ao cristão dizer, o indivíduo em questão avaliou da seguinte forma o episódio: "para mim foi bom, fiquei conhecido". Triste.

Quando li a história que introduz o artigo, lembre de uma cena de um filme, que não lembro qual, mas que alguém chega num escritório e a pessoa pega o telefone e por vários minutos entabula uma conversa importante. Então, "desliga" e pergunta para a pessoa o que ele deseja. E a pessoa "nada, só vim instalar o telefone".

Em Cristo,

Clóvis

leandrobarros disse...

Olá Pastor. Eu sou o Evangelista Leandro Barros. Gostaria de entrar em contato com o pastor. Se possível, me retorne.

Pastor Geremias Couto disse...

Meu prezado Leandro:

geremiascouto@yahoo.com.br

Grato

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog que tem edificado muitas vidas. Coloquei seu banner no meu blog, e estou te seguindo.
Gostaria de receber sua preciosa visita em meu blog e te-lo como meu seguidor. Que Deus o abençoe sempre.

www.catianecantero.blogspot.com

João Q. Cavalheiro disse...

Muito atual e apropriado texto! Existe uma gama de "profetas" de nossos dias que estão buscando somente aparecer na mídia. Conheci um determinado pregador que ao testemunhar o milagre de Deus feito por intermédio dele, ouviu daquela irmã que havia sido curada de uma enfermidade que sofria há 50 anos e não quarenta como o "profeta" havia entendido, ele respondeu: "Melhor ainda para o meu IBOPE". Meu Deus! Aonde vamos parar? Toda a glória e honra, repetimos, são devidos a Deus.
Parabéns Pastor Geremias! Deus continue lhe usando.

Abraços!

Pr. João Q. Cavalheiro
www.aramasi.blogspot.com