A crise é grave. Por qualquer ângulo que se olhe, parece que o fundo do poço está mais embaixo. A cada dia surgem novos fatos que deixam os brasileiros íntegros perplexos e descrentes a perguntar-se: aonde vamos chegar? Nem bem um escândalo termina, outro já está a caminho, sem tempo para a poeira assentar-se no fundo do copo. A república nunca esteve com as vísceras tão expostas como agora. Mas existem coisas positivas em toda essa história que está sendo desnudada pela imprensa.
Sem querer chover no molhado, já que outros disseram isso antes, uma crise se constitui em excelente oportunidade de crescimento. A democracia, por exemplo, sai fortalecida, porque, em outros tempos, a censura não permitiria a divulgação de episódios semelhantes. Hoje, os olhos da mídia podem investigar e tornarem públicas coisas que antes eram varridas para debaixo do tapete. É óbvio que há uma sofreguidão pela denúncia pura e simples, em alguns setores. Há, algures, percebe-se, a intenção de denunciar por mera vingança ou o uso da ameaça como chantagem para sair no lucro. É a corrupção que se alimenta da corrupção. Mas isso não desmerece o papel da imprensa investigativa, já consolidado na tradição democrática brasileira.
No entanto, longe de mostrar a corrupção como algo restrito ao andar de cima, para usar a expressão de Elio Gaspari, o noticiário apenas expõe uma prática que ali acontece de forma sofisticada, mas que também, embora este não seja o alvo predileto da mídia, caracteriza os costumes do andar de baixo. Só que sem a “elegância” dos colarinhos engomados. É a cultura do “jeitinho”, que vem desde Pero Vaz de Caminha e se tornou algo “normal” no cotidiano brasileiro. Que o digam as propinas para evitar a multa do policial, a empreitada de uma obra construída a toque de caixa só para gastar menos tempo e assim aumentar a rentabilidade do empreiteiro. Ou, ao contrário, a demora propositada na construção para “melhorar” o ganho no salário contabilizado pelo sistema de diárias. O médico que receita determinada medicação porque recebe "um por fora" do laboratório. A lista das pequenas corrupções iria longe.
Lembro-me de Cantares. Das raposas e raposinhas. Não eram só as adultas que faziam mal à vinha. As pequenas também. O problema do Brasil, e do ser humano em particular, é achar que só os grandes desvios éticos precisam ser combatidos. Vista grossa para os pequenos. Não faz mal jogar lixo na rua ou nas enconstas, não é nada demais vender gasolina adulterada, pouco importa empregar material de segunda, mesmo que o contratante tenha pagado por material de primeira. Ficar com o troco dado a mais pelo balconista há até quem considere bênção de Deus. Fazer "gato" para roubar a luz do vizinho ou da propria rede pública é atenuado como um recurso da pobreza. "Emprestar" o sinal da TV a cabo é justificado pela necessidade de ter acesso a entretenimento por quem não pode adquri-lo pelas vias legais. Ou seja, as raposinhas podem. As raposas não!
Todavia, segundo a Bíblia, a fidelidade começa nas coisas pequenas. Quem lida com seriedade em circunstâncias aparentemente sem importância, com certeza terá o mesmo comportamento naquilo que denota maior relevância. Não se exige ética apenas nos grandes empreendimentos, seja de que natureza for, inclusive política, mas também nas atividades mais simples. Aqui se incluem os valores morais – a fidelidade conjugal, por exemplo – hoje renegados pela predominância do relativismo.
Entre os dados positivos da atual crise está a certeza de que o Brasil precisa, isto sim, de um choque moral de alto a baixo.Eu até inverteria a ordem. Se o choque começar em baixo certamente chegará na parte de cima. Não basta preconizar tolerância zero apenas para os crimes do banditismo. Os que cobram segurança do Estado, mas se escondem sob a hipocrisia de acobertar o uso livre das drogas, como sugeriu recentemente Fernando Henrique Cardoso, sabem que o tráfico só se sustenta porque há consumo. Não basta exigir que o lixo da corrupção seja varrido no andar de cima, quando próximos ao nosso quintal há pequenos lixos que ali estão como que a decorar o nosso espaço.
As raposas adultas precisam ser apanhadas do jardim. Depressa. Mas as pequenas também. Com a mesma diligência. Lembrem-se que elas crescem. Se cada um tirar o cisco de seus olhos – ao invés de ficar olhando a trave do olho do próximo – terá sido feita a grande faxina que todos anseiam no país. Se todos removermos o lixo que está próximo à nossa porta a cidade ficará limpa.
7 comentários:
Prezado Pr. Geremias, é com muito prazer que faço comentário em seu blog acerca de postagens, apesar de ser um assíduo leitor (por isso fico sempre na expectativa que publiques sempre novas postagens). Mas diante desta postagem auspiciosa, fui incetivado a elogia-lo pelo olhar observador em comentar o viver cristão (algo que lhe peculiar). Reagimos contrários, e até mesmo revoltosos, com "grandes" atitutes anti-éticas e imorais na qual temos conhecimento, porém, "fechamos os olhos" diante de pequenas ações que consideramos insignificantes, mesmo com o mesmo peso antiético e imoral que de outrem, mas como não olha-se para o próprio "umbigo", este não se compara com o "perigo" daquele. Parabéns pela sua autêntica e divina sabedoria. Admiro-o.
Paulo Cícero
Eu vivo dizendo que 'cada povo tem o governante que merece'. Um povo que vive 'no jeitinho' certamente terá um governante que faz as coisas 'no jeitinho'. Eu não digo que todos fazem isto, mas como a democracia serve para representar a maioria, é o que teremos. Concordo com sua visão de mudar a base para que o topo mude também, da mesma forma que eu penso que a mudança de vida ocasionada pela conversão cristã se dá de dentro pra fora. Acho que são equivalentes.
Abraços,
Leandro Teixeira
http://liberdadeepensar.blogspot.com
Pr. Geremias do Couto, a paz!
Infelizmente os níveis de corrupção e a cultura do “jeitinho” têm maltratado o nosso país, e nos levado para o atraso. Realmente precisamos de um grande choque moral. A igreja evangélica poderia contribuir bastante, mas os caminhos que tem seguido são os mesmos da sociedade.
PS: Já há uma previsão de lançamento do seu novo livro, em coautoria com o pastor César Moisés?
Graça e paz amado pastor.
Parabéns pelo excelente espaço,já está linkado como referência.
Que Deus o abençoe.
Visite-nos: http://caminhoplano.blogspot.com/
Caro pastor Geremias do Couto,
Lembrei-me de uma pregação do saudoso Valdir Nunes Bícego sobre raposas e raposinhas. De fato, ambas fazem estrago às plantações.
O irmão sabia que a FIFA está para acabar com a famigerada "paradinha", usada no momento da cobrança de pênalti? Ela só usada no Brasil. Pergunte-me por quê. Porque, SOMENTE NO BRASIL EXISTE A MENTALIDADE DE QUERER LEVAR VANTAGEM EM TUDO. Em, infelizmente, os evangélicos (NÓS) estamos fazendo o mesmo: download de livros, CDs e DVDs piratas, gatonet, etc.
Parabéns pela postagem, não muito simpática para NÓS, evangélicos, mas VERDADEIRA, necessária.
Em Cristo,
Ciro Sanches Zibordi
A paz do Senhor, Pastor Geremias,
Permita-me também fazem um comentário ao seu texto. Fiz uma busca no google para encontrar blogs de sua autoria, pois sabia que encontraria uma discussão madura e espiritual sobre temas cotidianos importantes, como esse, por exemplo.
Sou de uma cidade com 10 mil habitantes e sei muito bem o que significam essas "raposinhas". Aqui, dentre outras coisas, elas definem eleições a cada dois anos, através da famigerada política do "toma-lá-dá-cá", sem falar que aqui também consumimos materiais piratas e fazemos download de diversos tipos de materiais disponíveis on line.
A propósito, já que o senhor é comentador das revistas de EBD, porque não incentiva a elaboração de uma lição que não trate de ética apenas do ponto de vista macro, tradicional, mas que possa falar com as raposinhas?
Faço parte de um grupo político daqui que enfatiza a necessidade de os cristãos serem fiéis também na vida social, mas é algo que lhes parece herético. A propósito, digne-se visitar meus textos no meu blog.
A paz do Senhor.
Caro Pastor Geremias,
Quando olhamos para as instituições políticas de países do chamado primeiro mundo, fica patente que, embora naquelas também ocorram desmandos e escândalos, quase sempre deparamos com a conduta ética em níveis, digamos, aceitáveis. Como os políticos brasileiros também são gente desse planeta, não são alienígenas, fica configurado que se no Brasil pertencer à classe política é ser classificado como ladrão, corrupto, mentiroso e incompetente é porque a sociedade brasileira, em geral, é ladra, corrupta, mentirosa e incompetente.
Os detentores de assentos nos poderes da República são somente uma amostragem do que somos como sociedade, e enquanto não mudarmos aqui aquele reflexo não vai mudar. Os políticos de quaisquer parlamentos no mundo são como espelho, nos quais podemos ver refletidas as nossas ações e a nossa índole.
De fato, como pontua o pastor, “Não basta exigir que o lixo da corrupção seja varrido no andar de cima”. Enquanto nós não mudarmos o nosso ethos social, aquele reflexo não vai mudar.
Portanto, faz todo sentido a sua observação final: “Se todos removermos o lixo que está próximo à nossa porta a cidade ficará limpa”.
Um abraço,
Paulo Silvano
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