Uma rápida olhada na história da Igreja revela que ela tem sido marcada por ênfases doutrinárias distintas ao longo de sua peregrinação. Os cristãos primitivos, por exemplo, tinham em alta conta a esperança do breve retorno de Cristo e muitos nutriam essa expectativa para aqueles dias.
A tônica das duas cartas de Paulo aos tessalonicenses é justamente essa. Ao mesmo tempo em que mantém viva a esperança do segundo advento, o apóstolo corrige alguns equívocos em relação a essa doutrina singular do cristianismo.
O propósito paulino era evitar que aqueles crentes adotassem uma postura alienada quanto a outros aspectos importantes da vida cristã, como se nada mais restasse senão aguardar “em berço esplêndido” o glorioso momento.
Outras ênfases surgiram nos séculos seguintes. O período posterior à ascensão de Constantino ao trono imperial foi marcado pela discussão trinitariana. Por cerca de 100 anos o tema ocupou as lides teológicas até que ficasse bem estabelecido o dogma da Trindade.
Esses diferentes enfoques, de uma época para outra (e de um lugar para outro, com freqüência), podem ser explicados à luz das peculiaridades de cada momento histórico e de outras situações motivadoras que ensejam aos cristãos apegar-se a algum valor doutrinário que interaja com as expectativas próprias de cada período.
Esta é a forma pela qual pode ser vista a crença firmemente arraigada entre muitos cristãos primitivos de que Cristo voltaria na sua geração. Era fruto, em primeiro lugar, de estarem próximos da época em que o Mestre viveu entre os homens. Os seus ensinamentos ainda estavam bem vívidos na mente dos fiéis. Outra razão tinha a ver com as intensas perseguições experimentadas pelos cristãos. Eles alimentavam a esperança de que o aguardado encontro com o Salvador fosse o glorioso desfecho para aquele inimaginável sofrimento.
Já o enfoque trinitariano, nos idos do terceiro para o quarto século, foi o resultado da progressiva sistematização da ortodoxia teológica com o propósito de conter o avanço dos ventos heréticos. Era preciso dar consistência aos ensinamentos da Igreja, que alcançara as fronteiras do império romano e entrara numa era de ampla liberdade. Em contrapartida, deixara para trás uma fé simples e centrada na esperança do advento.
A questão escatológica entrou outra vez em cena por volta do ano 1000. A expectativa da virada do milênio, aliada a interpretações distorcidas de algumas passagens bíblicas, levou muitos a acreditarem que estava prestes o fim do mundo. A mesma ênfase repetiu-se a partir do século XIX e tornou-se mais freqüente à medida que se aproximava o ano 2000. A prova disso é que as três últimas décadas do século XX foram pródigas em literatura escatológica, na legítima tentativa de se interpretarem os sinais do fim dos tempos.
Mas houve também os equívocos. A vinda de Cristo chegou a ser marcada algumas vezes pelas seitas apocalípticas e até mesmo um pseudo-versículo encontrou eco entre os desavisados: “De mil passarás mas a dois mil não chegarás”.
Com a chegada do terceiro milênio, outros enfoques virão como fruto do labor teológico para responder aos desafios da pós-modernidade. É necessário, todavia, que uma coisa fique bem clara: nenhuma doutrina pode ser tratada de forma isolada do contexto das demais doutrinas bíblicas sob pena de perder o seu verdadeiro foco e gerar toda sorte de distorções.
Assim, o segundo advento continua sendo a maior esperança da Igreja , o ápice de sua peregrinação histórica. Sem que isto signifique valorizá-lo acima de outras verdades das Escrituras, pois quem poderá ter a garantia do encontro com Cristo sem que primeiro passe pelos rudimentos da doutrina da salvação?
A vinda de Cristo é certeza de descanso e segurança, e não instrumento para impor medo e manipular os fiéis. É mensagem positiva, e não negativa. É assegurar-se de que não é necessário entrar em pânico quanto ao amanhã. É ter como certo não precisar sair atrás de sensacionalismo, da especulação escatológica, à procura de “chifre em cabeça de cavalo”, com achados absurdos que não passam de fruto da imaginação criadora das pessoas. É ter a tranqüilidade de não se alienar do mundo e viver segundo a mesma perspectiva de Cristo, que disse: “Meu pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando”.
Publicado originalmente na revista Enfoque.
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